Nutrição em pediatria

Fibrose Cística

A fibrose cística (FC) é uma doença genética autossômica recessiva que se caracteriza pela disfunção do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR). Esse gene é responsável pela decodificação de uma proteína reguladora de condutância transmembrana de cloro. E o que isso significa?  Que esse defeito leva ao acumulo de muco em vários órgãos, resultando em doença crônica especialmente das vias aéreas e do trato gastrointestinal.

A estimativa de prevalência atual da FC é variável mundialmente. Para os EUA e os países da União Européia essa incidência no entanto é semelhante, respectivamente 7,97 por 100.000 (EUA) versus 7,77 por 100.000 (União Europeia) da população em geral. No Brasil, essa estimativa é de 1 caso em cada 7.576 nascidos vivos, apresentando no entanto diferenças regionais, com valores mais elevados nos estados da região Sul. Comumente é associada à uma maior frequência nas populações descendentes de caucasianos.

Anteriormente o diagnóstico da FC era baseado nos achados clínicos, com a inclusão do teste de imunotripsina reativa na triagem neonatal (teste do pezinho) é possível diagnosticar a doença antes mesmo da presença dos primeiros sintomas. No Brasil, de acordo com as Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística, o diagnóstico baseia-se na quantificação dos níveis de tripsinogênio imunorreativo em duas dosagens, após a primeira acusar positivo, a segunda dosagem deverá ser feita em até 30 dias de vida. Frente a duas dosagens positivas, faz-se o teste do suor para a confirmação ou a exclusão da fibrose cística. A dosagem de cloreto por métodos quantitativos no suor ≥ 60 mmol/l, em duas amostras, confirma o diagnóstico. Alternativas para o diagnóstico são os exames genéticos que visam a identificação de duas mutações relacionadas à fibrose cística e os testes de função da proteína CFTR.

Nas últimas décadas, houve melhorias notáveis ​​no manejo do diagnóstico e do tratamento de pessoas com FC, que já foi uma doença fatal de bebês e crianças durante a primeira infância. No entanto, embora a expectativa tenha aumentado substancialmente, a doença continua a limitar a sobrevida e a qualidade de vida e resulta em uma grande gama de cuidados para as pessoas com FC e suas famílias.

Tanto a avaliação nutricional quanto os cuidados nutricionais são pontos fundamentais no manejo desses pacientes. Esses paciente encontram dificuldades para atender suas necessidades nutricionais seja na forma de calorias, macro ou micronutrientes. Um dos objetivos do tratamento nutricional é evitar o balanço energético negativo, que pode estar relacionado a inúmeros fatores como: ingestão dietética reduzida, esteatorréia, níveis descontrolados de glicose no sangue e função pulmonar reduzida.

As deficiências nutricionais por sua vez, podem estar relacionadas à disfunção pancreática, anomalias ligadas ao sal biliar, alteração da motilidade gastrointestinal e super crescimento bacteriano do intestino delgado. A identificação precoce do risco nutricional é necessária para intervir em um momento oportuno, tendo em vista que as intervenções podem ter um impacto positivo na qualidade e expectativa de vida. Afinal, é sabido que existe uma forte relação entre estado nutricional e qualidade de vida, função pulmonar e expectativa de vida.

Em virtude de classicamente os portadores de FC estarem em risco de desnutrição, relacionado a ingestão inadequada, aumento do gasto energético e má absorção, é postulado que a necessidade energética desses paciente chegue a ser até 200% do recomendado para a idade e sexo, com cerca de 40% sendo ofertado na forma de gorduras. Em muitos casos se faz necessário lançar mão de estratégias nutricionais para conseguir esse incremento energético, sem oferecer grande volume de refeições (a maioria não suporta grandes volumes), além do uso de suplementos nutricionais.

A ingestão de energia e macronutrientes, especialmente os lipídeos, tem sido amplamente investigados em pacientes com FC, no entanto a ingestão de micronutrientes não tem sido investigada com tanta frequência ou de forma abrangente, com isso muitas questões precisam ser elucidadas e as carências investigadas de forma individualizada. O que sabemos até então e que é alvo de maior atenção por parte dos especialistas é que a ingestão de sódio pode ser de até 5x o recomendado para a idade, em virtude das perdas no suor. Deve-se no entretanto ter atenção com outros elementos como o magnésio, cálcio, ferro e zinco.

A suplementação de vitaminas hidrossolúveis não obedecem à uma recomendação específica para pacientes com FC, devendo ser suplementadas de acordo com o estabelecido como padrão para a pediatria. Já ao que compete às vitaminas lipossolúveis essas tendem a ter seu requerimento elevado em virtude da síndrome de má absorção, causada por alterações endócrinas e gastrointestinais, especialmente a insuficiência pancreática exócrina, resultando no comprometimento da absorção elementos gordurosos da dieta, incluindo as vitaminas lipossolúveis. Idealmente, a suplementação deve ser individualizada, orientada por avaliação bioquímica e resposta prévia à suplementação. As diretrizes brasileiras dispões uma tabela com recomendação de doses para suplementação de vitaminas lipossolúveis em pacientes com fibrose cística para cada faixa etária.

Como vimos, fica claro a importância do acompanhamento nutricional individualizado para esses pacientes. Sabemos que a etiologia da desnutrição pode ter causa multifatorial, sendo o resultado principalmente de uma combinação de aumento do gasto energético, má absorção de nutrientes, aumento de perdas de energia e ingestão inadequada de alimento. Assim como está demonstrado na literatura que o estado nutricional adequado desses pacientes está correlacionado positivamente com a função pulmonar e com a longevidade

Referências

  • Harindhanavudhi T, et al. Prevalence and factors associated with overweight and obesity in adults with cystic fibrosis: A single-center analysis. Journal of Cystic Fibrosis. n.19 (2020) 139-145.
  • Tham A, et al. Micronutrient intake in children with cystic fibrosis in Sydney,Australia. Journal of Cystic Fibrosis. n. 19 (2020) 146-152.
  • El-Koofy N, et al. Nutritional rehabilitation for children with cystic fibrosis: Single center study. Clinical Nutrition ESPEN. n. 35 (2020) 201-206.
  • Athanazio RA, et al. Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística. J Bras Pneumol. n. 43 suppl. 3 (2017) 219-245.
  • Bell SC, et al. The future of cystic fibrosis care: a global perspective. The Lancet Respiratory Medicine. Volume 8, Edição 1 (2020) 65-124.

Nutrição em pediatria

Fibrose Cística

A fibrose cística (FC) é uma doença genética autossômica recessiva que se caracteriza pela disfunção do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR). Esse gene é responsável pela decodificação de uma proteína reguladora de condutância transmembrana de cloro. E o que isso significa?  Que esse defeito leva ao acumulo de muco em vários órgãos, resultando em doença crônica especialmente das vias aéreas e do trato gastrointestinal.

A estimativa de prevalência atual da FC é variável mundialmente. Para os EUA e os países da União Européia essa incidência no entanto é semelhante, respectivamente 7,97 por 100.000 (EUA) versus 7,77 por 100.000 (União Europeia) da população em geral. No Brasil, essa estimativa é de 1 caso em cada 7.576 nascidos vivos, apresentando no entanto diferenças regionais, com valores mais elevados nos estados da região Sul. Comumente é associada à uma maior frequência nas populações descendentes de caucasianos.

Anteriormente o diagnóstico da FC era baseado nos achados clínicos, com a inclusão do teste de imunotripsina reativa na triagem neonatal (teste do pezinho) é possível diagnosticar a doença antes mesmo da presença dos primeiros sintomas. No Brasil, de acordo com as Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística, o diagnóstico baseia-se na quantificação dos níveis de tripsinogênio imunorreativo em duas dosagens, após a primeira acusar positivo, a segunda dosagem deverá ser feita em até 30 dias de vida. Frente a duas dosagens positivas, faz-se o teste do suor para a confirmação ou a exclusão da fibrose cística. A dosagem de cloreto por métodos quantitativos no suor ≥ 60 mmol/l, em duas amostras, confirma o diagnóstico. Alternativas para o diagnóstico são os exames genéticos que visam a identificação de duas mutações relacionadas à fibrose cística e os testes de função da proteína CFTR.

Nas últimas décadas, houve melhorias notáveis ​​no manejo do diagnóstico e do tratamento de pessoas com FC, que já foi uma doença fatal de bebês e crianças durante a primeira infância. No entanto, embora a expectativa tenha aumentado substancialmente, a doença continua a limitar a sobrevida e a qualidade de vida e resulta em uma grande gama de cuidados para as pessoas com FC e suas famílias.

Tanto a avaliação nutricional quanto os cuidados nutricionais são pontos fundamentais no manejo desses pacientes. Esses paciente encontram dificuldades para atender suas necessidades nutricionais seja na forma de calorias, macro ou micronutrientes. Um dos objetivos do tratamento nutricional é evitar o balanço energético negativo, que pode estar relacionado a inúmeros fatores como: ingestão dietética reduzida, esteatorréia, níveis descontrolados de glicose no sangue e função pulmonar reduzida.

As deficiências nutricionais por sua vez, podem estar relacionadas à disfunção pancreática, anomalias ligadas ao sal biliar, alteração da motilidade gastrointestinal e super crescimento bacteriano do intestino delgado. A identificação precoce do risco nutricional é necessária para intervir em um momento oportuno, tendo em vista que as intervenções podem ter um impacto positivo na qualidade e expectativa de vida. Afinal, é sabido que existe uma forte relação entre estado nutricional e qualidade de vida, função pulmonar e expectativa de vida.

Em virtude de classicamente os portadores de FC estarem em risco de desnutrição, relacionado a ingestão inadequada, aumento do gasto energético e má absorção, é postulado que a necessidade energética desses paciente chegue a ser até 200% do recomendado para a idade e sexo, com cerca de 40% sendo ofertado na forma de gorduras. Em muitos casos se faz necessário lançar mão de estratégias nutricionais para conseguir esse incremento energético, sem oferecer grande volume de refeições (a maioria não suporta grandes volumes), além do uso de suplementos nutricionais.

A ingestão de energia e macronutrientes, especialmente os lipídeos, tem sido amplamente investigados em pacientes com FC, no entanto a ingestão de micronutrientes não tem sido investigada com tanta frequência ou de forma abrangente, com isso muitas questões precisam ser elucidadas e as carências investigadas de forma individualizada. O que sabemos até então e que é alvo de maior atenção por parte dos especialistas é que a ingestão de sódio pode ser de até 5x o recomendado para a idade, em virtude das perdas no suor. Deve-se no entretanto ter atenção com outros elementos como o magnésio, cálcio, ferro e zinco.

A suplementação de vitaminas hidrossolúveis não obedecem à uma recomendação específica para pacientes com FC, devendo ser suplementadas de acordo com o estabelecido como padrão para a pediatria. Já ao que compete às vitaminas lipossolúveis essas tendem a ter seu requerimento elevado em virtude da síndrome de má absorção, causada por alterações endócrinas e gastrointestinais, especialmente a insuficiência pancreática exócrina, resultando no comprometimento da absorção elementos gordurosos da dieta, incluindo as vitaminas lipossolúveis. Idealmente, a suplementação deve ser individualizada, orientada por avaliação bioquímica e resposta prévia à suplementação. As diretrizes brasileiras dispões uma tabela com recomendação de doses para suplementação de vitaminas lipossolúveis em pacientes com fibrose cística para cada faixa etária.

Como vimos, fica claro a importância do acompanhamento nutricional individualizado para esses pacientes. Sabemos que a etiologia da desnutrição pode ter causa multifatorial, sendo o resultado principalmente de uma combinação de aumento do gasto energético, má absorção de nutrientes, aumento de perdas de energia e ingestão inadequada de alimento. Assim como está demonstrado na literatura que o estado nutricional adequado desses pacientes está correlacionado positivamente com a função pulmonar e com a longevidade

Referências

  • Harindhanavudhi T, et al. Prevalence and factors associated with overweight and obesity in adults with cystic fibrosis: A single-center analysis. Journal of Cystic Fibrosis. n.19 (2020) 139-145.
  • Tham A, et al. Micronutrient intake in children with cystic fibrosis in Sydney,Australia. Journal of Cystic Fibrosis. n. 19 (2020) 146-152.
  • El-Koofy N, et al. Nutritional rehabilitation for children with cystic fibrosis: Single center study. Clinical Nutrition ESPEN. n. 35 (2020) 201-206.
  • Athanazio RA, et al. Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística. J Bras Pneumol. n. 43 suppl. 3 (2017) 219-245.
  • Bell SC, et al. The future of cystic fibrosis care: a global perspective. The Lancet Respiratory Medicine. Volume 8, Edição 1 (2020) 65-124.