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Nutrição em pediatria
Refluxo gastroesofágico
O refluxo gastroesofágico (RGE) é muito comum na infância, sendo uma das principais queixas das mães em consultório pediátrico, especialmente nos primeiros meses de vida dos bebês. É importante no entanto estar atento aos sinais e sintomas para que se diferencie o RGE fisiológico da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).
Por RGE entende-se como sendo o retorno involuntário do conteúdo gástrico para o esôfago, podendo chegar à faringe e até mesmo à boca. Tanto em recém-nascidos à termo quanto em prematuros, o RGE é considerado um processo benigno que faz parte da fisiologia de maturação do trato gastrointestinal, por isso é chamado refluxo fisiológico. Dentre as características fisiológicas que estão associadas à maior incidência de RGE em recém-nascidos estão: a dismotilidade esofágica; retardo no esvaziamento gástrico e um volume de ingestão maior.
Já a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é definido por estar associado a sintomas incômodos ou complicações. Essa definição é considerada complicada por muitos autores em virtude dos relatos não confiáveis de sintomas em crianças pequenas. As sequelas gastrointestinais incluem esofagite, hematêmese, formação de estenose esofágica e esôfago de Barrett. As sequelas extra intestinais podem incluir eventos agudos com risco de vida e apneia, otite média crônica, sinusite, anemia secundária e doença respiratória crônica (chiado no peito / tosse ou aspiração crônica), além de falha no crescimento.
Os sintomas clínicos associados à DRGE incluem regurgitação repetida, especialmente após as refeições, falha no ganho de peso, irritabilidade, problemas de alimentação, episódios de interrupção da respiração por mais de 20 segundos ou complicações respiratórias. Os lactentes também podem ter episódios recorrentes de pneumonia resultantes da aspiração do conteúdo estomacal e problemas com a postura, como arqueamento das costas.
Em crianças saudáveis a maior parte dos episódios de RGE tem uma curta duração e podem ocorrer alguns episódios durante o dia, especialmente no período pós prandial, ou seja, após a alimentação. Normalmente, o lactente não apresenta sintomas aparentes além de regurgitar e mostra um ganho de peso adequado. Estima-se que cerca de 50% dos lactentes com menos de 3 meses de idade apresentem os sintomas do RGE e que apenas 5% desses lactentes continuem a presentar sintomas após 14 meses de idade. De modo geral, esse fato parece estar relacionado a uma combinação de crescimento no comprimento do esôfago, postura mais ereta, aumento do tônus do esfíncter esofágico inferior e dieta mais sólida.
Por sua vez, a DRGE é um problema significativo para bebês tanto na população em geral, quanto em ambiente hospitalar. A determinação da prevalência exata de DRGE em qualquer idade é difícil devido à falta de sintomas específicos, mas estima-se que aproximadamente 33% das crianças procuram atendimento médico para sintomas sugestivos de refluxo, dos quais até 20% requerem avaliação diagnóstica. O problema é mais pronunciado em certos grupos, como bebês nascidos prematuramente, bebês com neurodisabilidade, com malformações congênitas como atresia esofágica reparada ou hérnia diafragmática congênita e naqueles com doença pulmonar crônica. Mais de 50% das crianças com neurodisabilidade têm DRGE, devido à dismotilidade esofágica e a um esfíncter esofágico inferior com mau funcionamento.
O diagnóstico da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) baseia-se principalmente na suspeita clínica, porém, de acordo com as últimas diretrizes da NASPGHAN (North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition) e da ESPGHAN (European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition), publicadas em 2018, a história clínica e o exame físico são suficientes para firmar o diagnóstico de DRGE apenas em crianças e adolescentes que apresentem sintomas típicos da DRGE, tais como azia, pirose e dor epigástrica. Nos lactentes, cujos sintomas são muito inespecíficos (choro, irritabilidade e recusa alimentar) e nas crianças com sintomas atípicos ou extra digestivos (sibilância, tosse, apneia, dentre outros), a diretriz recomenda investigação diagnóstica.
A velocidade de esvaziamento gástrico pode ser influenciada também pela própria dieta que está sendo ofertada ao recém-nascido. Quanto maior a osmolaridade da dieta, maior será o tempo de esvaziamento gástrico. Quando comparado ao leite humano, as fórmula lácteas retardam o esvaziamento gástrico, assim como os aditivos do leite humano. Elementos como os prebióticos, os probióticos e fórmulas compostas por proteínas hidrolisadas por sua vez, reduzem o tempo de esvaziamento gástrico.
As técnicas de mamadas devem ser corrigidas nos lactentes com RGE em aleitamento materno exclusivo. Naqueles em uso de fórmulas lácteas, a ingestão pode ser revista com a oferta de um menor volume e um maior fracionamento para que não haja comprometimento da oferta nutricional. As fórmulas espessadas, também denominadas de fórmulas AR (antirregurgitação), melhoram visivelmente as regurgitações, o que contribui para menor perda dos nutrientes oferecidos, podendo ser esse fato considerado uma vantagem naqueles pacientes que apresentam dificuldade de ganho ponderal e déficit de crescimento. As fórmulas espessadas podem conter amido de arroz, amido de milho, amido de batata, amido de mandioca (tapioca), goma guar e farinha de sementes de alfarroba.
A maior parte dos recém-nascidos se beneficiam das orientações dietéticas e ambientais. A alergia ao leite de vaca pode produzir regurgitações e vômitos indistinguíveis daqueles associados ao RGE. Para os casos que não há uma resposta, e somente nesses casos, a associação com alergia à proteína do leite de vaca (APLV) deve ser considerada. Nesse caso, indica-se a utilização de fórmulas extensamente hidrolisada ou a base de aminoácidos, por um período mínimo de duas semanas. Naqueles pacientes em amamentação, as mães devem ser orientadas a suspender a ingestão de proteína do leite de vaca pelo mesmo período.
O tratamento do RGE procura esclarecer e tranquilizar os pais e cuidadores do aspecto fisiológico e transitório, na grande maioria dos casos, afinal tende a ser resolver de modo espontâneo com o crescimento da criança e o amadurecimento do esfíncter esofágico inferior. Os tratamentos para a DRGE vão desde mudanças no estilo de vida, passando por classe diferentes de fármacos ou mesmo, para casos reservados, o tratamento cirúrgico. O manejo deve ser gradativo, adequado ao grau de complexidade e gravidade, respeitando a individualidade de cada caso.
Referências
- Rosen R, et al. Pediatric gastroesophageal reflux clinical practice guidelines: joint recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. J Ped Gastroenterol Nutr. 2018; 66: 516-564.
- Figuiera B B D. Refluxo gastroesofágico fisiológico n o recém-nascido. Pediatria – atualize-se – Boletim da sociedade brasileira de pediatria 2018; 3 (6): 4-5.
- Soares A C F. Refluxo gastroesofágico: exame para seu diagnóstico. Pediatria – atualize-se – Boletim da sociedade brasileira de pediatria 2018; 3 (6): 6-7.
- Ferguson T D. Gastroesophageal Reflux Regurgitation in the Infant Population. Crit Care Nurs Clin N Am 2018; 30: 167–177.
- Kolimarala V, Beattie R M, Batra A. Gastro-oesophageal reflux in infancy. Paediatrics ans Child Health 2019; 29 (9): 377-383.
Nutrição em pediatria
Refluxo gastroesofágico
O refluxo gastroesofágico (RGE) é muito comum na infância, sendo uma das principais queixas das mães em consultório pediátrico, especialmente nos primeiros meses de vida dos bebês. É importante no entanto estar atento aos sinais e sintomas para que se diferencie o RGE fisiológico da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).
Por RGE entende-se como sendo o retorno involuntário do conteúdo gástrico para o esôfago, podendo chegar à faringe e até mesmo à boca. Tanto em recém-nascidos à termo quanto em prematuros, o RGE é considerado um processo benigno que faz parte da fisiologia de maturação do trato gastrointestinal, por isso é chamado refluxo fisiológico. Dentre as características fisiológicas que estão associadas à maior incidência de RGE em recém-nascidos estão: a dismotilidade esofágica; retardo no esvaziamento gástrico e um volume de ingestão maior.
Já a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é definido por estar associado a sintomas incômodos ou complicações. Essa definição é considerada complicada por muitos autores em virtude dos relatos não confiáveis de sintomas em crianças pequenas. As sequelas gastrointestinais incluem esofagite, hematêmese, formação de estenose esofágica e esôfago de Barrett. As sequelas extra intestinais podem incluir eventos agudos com risco de vida e apneia, otite média crônica, sinusite, anemia secundária e doença respiratória crônica (chiado no peito / tosse ou aspiração crônica), além de falha no crescimento.
Os sintomas clínicos associados à DRGE incluem regurgitação repetida, especialmente após as refeições, falha no ganho de peso, irritabilidade, problemas de alimentação, episódios de interrupção da respiração por mais de 20 segundos ou complicações respiratórias. Os lactentes também podem ter episódios recorrentes de pneumonia resultantes da aspiração do conteúdo estomacal e problemas com a postura, como arqueamento das costas.
Em crianças saudáveis a maior parte dos episódios de RGE tem uma curta duração e podem ocorrer alguns episódios durante o dia, especialmente no período pós prandial, ou seja, após a alimentação. Normalmente, o lactente não apresenta sintomas aparentes além de regurgitar e mostra um ganho de peso adequado. Estima-se que cerca de 50% dos lactentes com menos de 3 meses de idade apresentem os sintomas do RGE e que apenas 5% desses lactentes continuem a presentar sintomas após 14 meses de idade. De modo geral, esse fato parece estar relacionado a uma combinação de crescimento no comprimento do esôfago, postura mais ereta, aumento do tônus do esfíncter esofágico inferior e dieta mais sólida.
Por sua vez, a DRGE é um problema significativo para bebês tanto na população em geral, quanto em ambiente hospitalar. A determinação da prevalência exata de DRGE em qualquer idade é difícil devido à falta de sintomas específicos, mas estima-se que aproximadamente 33% das crianças procuram atendimento médico para sintomas sugestivos de refluxo, dos quais até 20% requerem avaliação diagnóstica. O problema é mais pronunciado em certos grupos, como bebês nascidos prematuramente, bebês com neurodisabilidade, com malformações congênitas como atresia esofágica reparada ou hérnia diafragmática congênita e naqueles com doença pulmonar crônica. Mais de 50% das crianças com neurodisabilidade têm DRGE, devido à dismotilidade esofágica e a um esfíncter esofágico inferior com mau funcionamento.
O diagnóstico da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) baseia-se principalmente na suspeita clínica, porém, de acordo com as últimas diretrizes da NASPGHAN (North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition) e da ESPGHAN (European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition), publicadas em 2018, a história clínica e o exame físico são suficientes para firmar o diagnóstico de DRGE apenas em crianças e adolescentes que apresentem sintomas típicos da DRGE, tais como azia, pirose e dor epigástrica. Nos lactentes, cujos sintomas são muito inespecíficos (choro, irritabilidade e recusa alimentar) e nas crianças com sintomas atípicos ou extra digestivos (sibilância, tosse, apneia, dentre outros), a diretriz recomenda investigação diagnóstica.
A velocidade de esvaziamento gástrico pode ser influenciada também pela própria dieta que está sendo ofertada ao recém-nascido. Quanto maior a osmolaridade da dieta, maior será o tempo de esvaziamento gástrico. Quando comparado ao leite humano, as fórmula lácteas retardam o esvaziamento gástrico, assim como os aditivos do leite humano. Elementos como os prebióticos, os probióticos e fórmulas compostas por proteínas hidrolisadas por sua vez, reduzem o tempo de esvaziamento gástrico.
As técnicas de mamadas devem ser corrigidas nos lactentes com RGE em aleitamento materno exclusivo. Naqueles em uso de fórmulas lácteas, a ingestão pode ser revista com a oferta de um menor volume e um maior fracionamento para que não haja comprometimento da oferta nutricional. As fórmulas espessadas, também denominadas de fórmulas AR (antirregurgitação), melhoram visivelmente as regurgitações, o que contribui para menor perda dos nutrientes oferecidos, podendo ser esse fato considerado uma vantagem naqueles pacientes que apresentam dificuldade de ganho ponderal e déficit de crescimento. As fórmulas espessadas podem conter amido de arroz, amido de milho, amido de batata, amido de mandioca (tapioca), goma guar e farinha de sementes de alfarroba.
A maior parte dos recém-nascidos se beneficiam das orientações dietéticas e ambientais. A alergia ao leite de vaca pode produzir regurgitações e vômitos indistinguíveis daqueles associados ao RGE. Para os casos que não há uma resposta, e somente nesses casos, a associação com alergia à proteína do leite de vaca (APLV) deve ser considerada. Nesse caso, indica-se a utilização de fórmulas extensamente hidrolisada ou a base de aminoácidos, por um período mínimo de duas semanas. Naqueles pacientes em amamentação, as mães devem ser orientadas a suspender a ingestão de proteína do leite de vaca pelo mesmo período.
O tratamento do RGE procura esclarecer e tranquilizar os pais e cuidadores do aspecto fisiológico e transitório, na grande maioria dos casos, afinal tende a ser resolver de modo espontâneo com o crescimento da criança e o amadurecimento do esfíncter esofágico inferior. Os tratamentos para a DRGE vão desde mudanças no estilo de vida, passando por classe diferentes de fármacos ou mesmo, para casos reservados, o tratamento cirúrgico. O manejo deve ser gradativo, adequado ao grau de complexidade e gravidade, respeitando a individualidade de cada caso.
Referências
- Rosen R, et al. Pediatric gastroesophageal reflux clinical practice guidelines: joint recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. J Ped Gastroenterol Nutr. 2018; 66: 516-564.
- Figuiera B B D. Refluxo gastroesofágico fisiológico n o recém-nascido. Pediatria – atualize-se – Boletim da sociedade brasileira de pediatria 2018; 3 (6): 4-5.
- Soares A C F. Refluxo gastroesofágico: exame para seu diagnóstico. Pediatria – atualize-se – Boletim da sociedade brasileira de pediatria 2018; 3 (6): 6-7.
- Ferguson T D. Gastroesophageal Reflux Regurgitation in the Infant Population. Crit Care Nurs Clin N Am 2018; 30: 167–177.
- Kolimarala V, Beattie R M, Batra A. Gastro-oesophageal reflux in infancy. Paediatrics ans Child Health 2019; 29 (9): 377-383.